quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Adriano - Sonho para 2014


Marlon acorda cedo. Sem mesmo lavar o rosto, calça as chuteiras de marca famosa que ganhou como melhor jogador num amistoso do time em que atua, promovido pela Secretaria de Esportes da Cidade. Antes de sair de casa para o treino, procura por pão e leite para saciar sua fome, mas não encontra. Toma um copo d’água e sai, após certificar-se de que seu irmão Mario, de sete anos, está acordado e cuidará do outro irmão, Marcio, de nove meses. Está feliz por saber que no dia anterior, o Brasil foi escolhido para sediar a Copa de 2014. O sonho brilhou mais do que nunca em seu coração e sua mente. Aos onze anos, e com o mesmo ideal de milhares (ou milhões) de garotos pelo Brasil, deseja ser jogador de futebol profissional, titular do Corinthians (por quem é apaixonado) e da Seleção Brasileira. Com aplicação e empenho, acredita que aos dezoito anos, poderá fazer parte do grupo que disputará o Mundial daquele ano (afinal, como sabe, Pelé, negro como ele, jogou uma Copa com dezessete anos!). Sua mãe (empregada doméstica) apóia que siga a carreira de jogador de futebol, permitindo que falte de duas a três vezes por semana na escola, para participar dos treinos do time. Deseja que ganhe muito dinheiro e ajude a melhorar as condições em que vivem. Moram em uma casa de madeira construída em área de risco à margem de um córrego, onde uma televisão (em sua casa tem uma!) e um sofá (em sua casa não tem um!), jogados em seu leito, obstruem o fluxo de água. Na última chuva forte, enquanto sua mãe e vizinhos lutavam para salvar móveis, roupas e poucos eletrodomésticos, além de tentar escoar a água de dentro de casa, Marlon chutava a bola num muro, a alguns metros dali, sem preocupar-se em ajudar. Gritava nome de jogadores, associando-os a dribles e provocações de torcida. A cada toque na bola, cerrava os punhos e a energia ali concentrada, irradiava certo ódio à sua condição de vida e esperança em acontecer de fato como astro da bola. Qualquer semelhança com a realidade é mera certificação de que a verdade pode doer muito, até quando se trata de um sonho.

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