quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Leandro - Copa do Mundo de 2014

Antônio ligou seu radinho naquele fatídico dia, o dia que finalmente o Brasil foi anunciado como sede da copa de 2014. Antônio ficou pensativo, calado. Já era de falar pouco, mas até o Pedro, seu companheiro de viagens, estranhou seu silêncio maior que o habitual.

Antônio trabalha como motorista de ônibus, e Pedro, é seu cobrador habitual. Naquele dia, ele pensou se a copa poderia fazer alguma coisa de boa por ele, para sua mulher, para algum de seus 4 filhos. Pedro continuava estranhando sua expressão carrancuda. A viagem começou e ele nem ajustou o retrovisor do ônibus.

Antônio costuma trabalhar na linha São Miguel – Metrô Carrão. Após muito suor, ele e Preta, sua esposa, conseguiram dar entrada em um apartamento no CDHU. Seu filho mais velho foi preso por roubar uma moto, o caçula sonhava em jogar futebol, e as duas meninas sonhavam em fazer faculdade. As prestações eram apertadas, mas não faltava comida em casa, afinal Preta tinha uma patroa boa que lhe pagava 1 salário mínimo mais uma cesta básica todo mês.

Pedro estava inquieto. Antônio continuava sem falar, o ônibus estava lotado e ele dirigia mais rápido que o habitual. Ele continuava a pensar, o que essa copa poderia lhe trazer de bem. Seu pai trabalhou na construção do Maracanã, prometeram que ele assistiria o jogo inaugural, mas na última hora alguém da federação tirou seu lugar. O pai de Antônio morreu quando ele era pequenino, vítima de uma bala perdida, quando ainda moravam no Rio.

Antônio fazia uns bicos para ajudar no orçamento. Aos finais de semana, quando estava de folga, ele dirigia ônibus fretados pelas organizadas. O dono do ônibus era seu xará, Toninho. Antônio não gostava do bico, mas não podia descartar esse dinheirinho, afinal suas filhas queriam fazer faculdade.

Pedro sabia que algo estava errado. Tentou falar com Antônio, mas somente teve em troca uma olhada pelo retrovisor interno do ônibus. Chegaram no ponto final, Pedro suava e tentou conversar com Antônio, mas ele não quis papo e foi tomar sua água, naquela garrafa plástica velha onde sua empresa armazenava a água.

Antônio subiu para o ônibus, ainda pensando no que a copa poderia trazer de bom para sua família. Começaram a voltar para São Miguel, o ônibus que saíra a sua frente quebrou na primeira subida, Antônio pegou os passageiros que aguardavam ele chegar. Seu ônibus ficou lotado, e Pedro continuava a suar, preocupado.

Ao final da primeira subida, Antônio continuava estranho e Pedro tentou novamente falar com ele. Começaram a descer, Antônio então subitamente começou a sorrir e tentou falar com Pedro, mas ao tentar frear, não conseguiu. Tentou novamente, sem sucesso. Seu rosto ficou pálido. Pedro suava. Não conseguiram fazer a curva e Antônio bateu violentamente seu ônibus em outro que subia na direção contrária. Antônio descobriu o que a copa poderia trazer de bom para sua família, mas foi a única vítima fatal daquele acidente.

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